quinta-feira, 5 de julho de 2012
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UMA HISTÓRIA DE SANGUE
A entrega de uma vida, em defesa dos seus companheiros.
A resposta de uma criança.
O sofrimento de uma mãe que encoraja seu filho a suportar a dor dos castigos.
O louvor de uma verdadeira cristã.
As próximas linhas narram a história de alguns dos primeiros mártires da história da fé cristã, um emocionante relato contado por JOHN FOXE em sua obra O livro dos Mártires.
O impiedoso Galério com o seu grande prefeito Asclepíades
invadiu a cidade de Antioquia no intuito de, pela força das armas, fazer todos
os cristãos renunciar radicalmente à sua pura religião. Naquele dia os cristãos
encontravam-se reunidos, e um certo Romano foi correndo anunciar-lhes que os
lobos estavam por perto querendo devorar o rebanho cristão. — Mas não tenham
medo — disse ele — nem deixem que esse iminente perigo os perturbe, meus
irmãos. — Aconteceu então que, pela grande graça de Deus atuando em Romano, velhos
e matronas, pais e mães, mancebos e donzelas, mostraram todos a mesma vontade e
decisão, estando mais do que dispostos a derramar o próprio sangue em defesa da
fé que professavam.
Chegou ao prefeito a notícia de que um pelotão de soldados
armados não conseguiu arrancar o báculo da fé das mãos da congregação de
cristãos, e tudo porque Romano os instigou com tal veemência que eles não
hesitaram em oferecer a própria garganta, desejando morrer gloriosamente pelo
nome de Cristo. — Encontrem o rebelde — disse o prefeito — tragam-no à minha
presença para que ele responda por toda a seita. — Ele foi apreendido e,
amarrado como uma ovelha conduzida ao matadouro, foi apresentado ao imperador,
que, fixando-o com semblante irado, disse: — Como! És tu o autor da revolta? És
tu a causa de tantos perderem a própria vida? Juro pelos deuses que tu hás de
pagar caro por isso. Primeiro, na tua carne sofrerás as dores para as quais animaste
o coração dos teus colegas.
Respondeu Romano: — A tua sentença, ó prefeito, eu a recebo com
alegria. Não me recuso a ser sacrificado pelos meus irmãos, por mais cruéis que
sejam os meios que tu possas inventar. No que se refere ao fato de que os teus
soldados foram repelidos pela congregação cristã, isso apenas aconteceu porque
era inadmissível que idólatras e adoradores de demônios entrassem na casa de
Deus e poluíssem o lugar da verdadeira oração.
Então Asclepíades, absolutamente furioso com essa intrépida
resposta, ordenou que Albano fosse amarrado com os braços presos ao corpo e
depois eviscerado. Os próprios carrascos, que tinham um coração mais piedoso
que o do prefeito, intercederam: — Não pode ser, senhor. Este homem é de uma
família nobre. É ilegal submeter um nobre a morte tão ignóbil. — Respondeu o
prefeito: — Que seja então flagelado com açoites com pontas de chumbo. — Em vez
de lágrimas, suspiros e gemidos, ouviu-se a voz de Albano cantando salmos
durante todo o tempo da flagelação, pedindo aos algozes que não o
poupassem pela sua nobreza. — Não é o sangue dos meus
progenitores — dizia ele — mas sim a profissão de fé cristã que me faz nobre.
— As salutares palavras do mártir eram como óleo para o fogo
da fúria do prefeito. Quanto mais o mártir falava, mais enlouquecido ele ficava,
a ponto de ordenar que as ilhargas do mártir fossem perfuradas a faca até
aparecer o branco dos ossos.
Quando Romano pela segunda vez pregou o Deus vivente, o
Senhor Jesus Cristo, Seu Filho bem-amado, e a vida eterna por meio fé no Seu
sangue, Asclepíades ordenou aos carrascos que lhe esmurrassem a boca até que
seus dentes fossem arrancados e sua pronúncia acabasse também afetada. A ordem foi
cumprida: ele foi esmurrado, suas sobrancelhas foram rasgadas a unha e suas
faces perfuradas a faca; a pele da barba foi pouco a pouco arrancada;
finalmente, seu belo rosto estava todo deformado. Disse o dócil mártir:
— Eu lhe agradeço, ó
prefeito, por ter aberto em mim muitas bocas, com as quais posso pregar a Cristo, meu Senhor e Salvador. Veja,
cada ferida que eu tenho é uma boca louvando e cantando a Deus.
O prefeito, assombrado com essa singular constância, ordenou
que suspendessem as torturas. Ameaçou o nobre mártir com o fogo cruel,
insultou-o e blasfemou a Deus dizendo: — O teu Cristo crucificado não é mais
que um Deus de ontem. Os deuses dos gentios são de extrema antiguidade.
Nesse ponto Romano, aproveitando a ocasião, fez um longo
discurso sobre a eternidade de Cristo, sua natureza humana, e sobre a sua morte
e expiação pela humanidade. Em seguida, disse ele: — Dê-me, ó prefeito, uma
criança de apenas sete anos, idade isenta de malícia de outros vícios com os
quais a idade mais madura geralmente está infectada, e o senhor ouvirá o que
ela tem a dizer. — Seu pedido foi aceito.
Dentre a multidão chamou-se um menininho que foi colocado diante
do mártir. — Dize-me, filhinho — disse ele — se tu achas que há razão para que
adoremos a um só Cristo, e em Cristo a um só Pai, ou então para que adoremos a
muitos deuses.
Ao que o menininho respondeu: — Certamente Aquele que os homens
afirmam ser Deus (seja o que for), deve ser um só; e o que lhe é próprio é
único. Porque Cristo é único, Cristo é necessariamente o verdadeiro Deus, pois
nós crianças não podemos acreditar que existam muitos deuses.
A essa altura o prefeito, tomado de puro espanto, disse: —
Tu, jovem vilão e traidor, onde e de quem aprendeste essa lição?
— De minha mãe — disse a criança. — Com seu leite suguei a lição
de que devo crer em Cristo. Chamou-se a mãe, e ela de grado se apresentou. O
prefeito ordenou que a criança fosse pendurada e açoitada. Os condoídos
espectadores desse ato impiedoso não conseguiam controlar as lágrimas. Apenas a
mãe, exultante e feliz, a tudo assistia com as faces secas. Na verdade, ela
repreendeu o seu doce filhinho por implorar um gole de água fria. Disse-lhe
para ter sede da taça da qual outrora beberam os infantes de Belém, deixando de
lado o leite e as papinhas de suas mães. Ela o encorajou a lembrasse do pequeno
Isaque que, vendo a espada com a qual seria abatido e o altar sobre o qual seria queimado em sacrifício, de boa
mente apresentou o tenro pescoço ao golpe da espada do seu pai.
Enquanto era dado
esse conselho, o sanguinário algoz arrancou o couro do alto da cabeça do
menino, com cabelo e tudo. Gritou então a mãe: — Aguenta, filhinho! Logo tu
verás Aquele que te enfeitará a cabeça nua com uma coroa de glória eterna. — A
mãe consola, a criança sente-se consolada; a mãe anima, o menininho sente-se
animado e recebe os açoites com um sorriso no rosto.
O prefeito, percebendo que a criança era invencível e
sentindo-se derrotado, mandou o abençoado menininho para a fétida masmorra e
deu ordens para que as torturas de Romano, principal autor destas maldades,
fossem repetidas e intensificadas.
Assim, Romano foi trazido outra vez para novos açoites,
devendo os castigos ser renovados e aplicados sobre as suas velhas feridas. O tirano
já não aguentava mais; era necessário apressar a sentença de morte. — É penoso
para ti — disse ele — continuar vivo por tanto tempo? Não tenhas dúvida de que
uma flamejante fogueira será em breve preparada. Nela tu e aquele menino, teu
companheiro de rebelião, sereis consumidos e transformados em cinza. — Romano e
o menininho foram conduzidos para a execução. Ao chegarem ao local escolhido,
os carrascos arrancaram o filho da sua mãe, que o tomara nos braços. A mãe,
limitando-se a beijá-lo entregou a criancinha.
— Adeus! — disse ela
— Adeus, meu doce filhinho. Quando tiveres entrado no reino de Cristo, lá no
teu abençoado estado lembra-te da tua mãe. — E enquanto o carrasco aplicava a
espada ao pescoço da criancinha, ela cantou assim:
Todo louvor do coração e da voz
Nós te rendemos Senhor.
Neste dia em que a morte deste santo
Recebes com muito amor.
Tendo sido cortada a cabeça do inocente, a mãe a envolveu em
seu vestido e a segurou no colo. Do lado oposto, uma grande fogueira foi acesa
na qual Romano foi atirado. No mesmo instante desabou uma grande tempestade.
Finalmente o prefeito, sentindo-se confuso diante da força e coragem do mártir,
deu ordens rigorosas para que ele fosse reconduzido à prisão, onde deveria ser
estrangulado.
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